Instituto de Constelações Familiares Brigitte Champetier de Ribes

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Psicose e esquizofrenia: vinculação transtornada no sistema familiar

Franz RUPPERT

Psicose e esquizofrenia

Quando as doenças psicóticas são diagnosticadas, os teóricos limitam-se ao estudo de sintomas específicos como a conduta desorganizada, as alucinações e os delírios.

A conduta desorganizada normalmente consiste em um abandono extremo das atividades e deveres cotidianos e, em algumas pessoas, combina-se com todos os sintomas de uma depressão, enquanto que em outras, com um nível de atividade extremadamente elevado. Ambos os tipos de psicose, a depressiva e a maníaca, têm em comum um aumento de todos os tipos de sentimentos, fato que afeta negativamente à percepção e ao pensamento da pessoa. As alucinações, um tipo de falsa percepção, podem afetar todos os canais sensoriais e fazer que a pessoa, por exemplo, veja fantasmas, ouça vozes, sinta cheiro de cadáveres ou sinta aranhas recorrendo sua pele. As formas de delírio mais importante são as de grandeza, amor, ciúmes, perseguição e aquelas relacionadas com o corpo. A definição mais estrita de psicose está limitada às fantasias delirantes e ás alucinações elaboradas, nas quais o paciente não tem nenhum insight sobre sua condição patológica. Uma definição algo menos estrita inclui também as alucinações que são reconhecidas como tais por quem as sente. O diagnóstico de psicose frequentemente equipara-se com a esquizofrenia e a alteração da personalidade completa do paciente.

Explicações psiquiátricas e psicológicas

Conforme a Psiquiatria orientada medicamente, a psicose e outras doenças relacionadas são desordens do metabolismo neurológico, como se de um problema do hardware se tratasse. Para os psiquiatras, as ideias persecutórias e as alucinações não são contempladas como se tivessem alguma relação com a realidade fatual da vida do paciente psicótico. Foram apresentadas muitas explicações sobre as origens fisiológicas da psicose durante os últimos cem anos, entre outras a má qualidade do sangue, genes defeituosos, alterações do metabolismo cerebral e, mais recentemente, os vírus. No entanto, apesar das extensas investigações levadas a cabo, ainda não existe uma prova conclusiva para nenhuma destas teorias. (Breggin 1996)

Em minha opinião, uma conexão arbitrária entre os fatores psicossociais e biológicos também é insuficiente para explicar o surgimento de uma psicose. O chamado "modelo de vulnerabilidade ao estresse" não pode explicar satisfatoriamente o fenômeno da esquizofrenia. O problema deste modelo é que ambos os fatores –vulnerabilidade e estresse- definem-se como dependentes entre si.

Somente podemos declarar que uma pessoa é vulnerável à psicose retrospectivamente, isto é, somente depois da crise podemos afirmar que a capacidade de processamento de informação do paciente estava alterada e que devia estar submetido a um estresse interno ou externo capaz de induzir-lhe uma psicose. Não é possível definir ou quantificar especificamente o grau de vulnerabilidade de uma pessoa, nem fazer uma lista de fatores de estresse que possam se relacionar de maneira fiável com a origem das doenças psicóticas, ou possam utilizar-se como indícios para predizer o surgimento de uma psicose.

As teorias psicodinâmicas e psicanalíticas sobre psicose indicam um derrubamento da função do ego como consequência de algum trauma durante a infância precoce, ou bem dos impulsos agressivos e sexuais que o paciente não consegue conduzir bem ou integrar na estrutura da sua personalidade.

A psicose cumpriria a função de superar a incapacidade do ego para conduzir esses impulsos sexuais agressivos. No entanto, este modelo não explica o fato de que pacientes psicóticos, entre os episódios psicóticos, comportem-se com normalidade e sejam capazes de pensar racionalmente e de sentir apropriadamente durante longos períodos de suas vidas.

Outro tipo de explicação é a teoria de "a comunicação dentro das famílias", que vai além das limitações dos casos anteriores, nos quais o único foco de atenção era o ego ou o cérebro do indivíduo doente.

Contemplam-se vários fatores como causas possíveis ou que, ao menos, podem contribuir significativamente ao desenvolvimento da psicose: pais que não se comunicam com sentido (Bateson 1999); mães que dão mensagens confusas (a "mãe esquizofrenizante"); ou uma atmosfera familiar na qual a sobre proteção ou o controle excessivo são a norma. Não obstante, não se menciona com clareza que causa o comportamento dos pais, porque se cria uma atmosfera psicotizante, e de onde provém essa comunicação tão confusa entre os membros da família.

Este artigo não pode abranger todos os rasgos específicos das diferentes disciplinas, teorias e escolas de pensamento científicas que tentaram conseguir uma melhor compreensão da psicose e esquizofrenia. Tampouco examina profundamente o estado atual da investigação empírica. No entanto, minhas experiências práticas em terapia com pessoas que se tornaram psicóticas mostram que nenhuma das explicações da psicose e esquizofrenia apresentadas até o momento resolveu satisfatoriamente o enigma sobre esse enorme cataclismo que acontece na psique da pessoa.

Experiências com psicose no trabalho de Constelações Familiares. No meu trabalho psicoterapêutico venho utilizando as constelações familiares de Bert Hellinger durante os últimos oito anos. Com o decorrer do tempo, observei em constelações que os representantes de pacientes psicóticos têm, de repente, uma série de sintomas: as pernas tremem; uma sensação como se fosse flutuar por cima do chão, ou bem como se seu corpo estivesse sendo dividido em pedaços; ou bem um assustador ataque de raiva. Alguns representantes sentem como se estivessem envolvidos em uma bruma que os impede ver que acontece ao seu redor.

Em uma constelação, uma psicose parece engendrar alguns sintomas nos representantes que são fáceis de diagnosticar.

Ministrei muitos workshops de constelações familiares específicos para pessoas que tinham experimentado psicose e para familiares de pessoas psicóticas. Como resultado da experiência de trabalhar com aproximadamente cinquenta clientes em grupos e em terapia individual, formulei recentemente uma hipótese que pode descrever as dinâmicas familiares específicas inerentes à psicose, ao mesmo tempo em que oferecer uma explicação de como as psicoses e esquizofrenias aconteciam dentro do sistema vinculante familiar. (Ruppert 2002)

Estudo de um caso

Descreverei meu trabalho com um jovem que se tornou psicótico de maneira repentina, sem nenhum motivo aparente. Posteriormente, resumirei alguns dos meus insights sobre este tipo de situações em famílias que produzem psicose e esquizofrenias decorridas três ou quatro gerações.

Peter, de aproximadamente trinta anos, acudiu a sua primeira consulta em 1999. Parecia tranquilo e tinha bom aspecto, e a única característica que chamava à atenção era sua maneira de falar artificiosa. Utilizava expressões gastas quase em cada frase, como "por assim dizer" ou "em certo modo". Quando lhe perguntei sobre o possível significado destas expressões, disse-me que as utilizava para não falar mais da conta. Contou-me que ultimamente se fechou em si mesmo e não saia muito. Sentiu-se inseguro desde que sua tia morreu em um acidente de tráfico há um ano. Ela era a irmã mais velha de seu pai. O motivo pelo qual queria fazer psicoterapia era para estar mais seguro de si mesmo em público. Frequentemente sentia que as pessoas não iam com sua cara, então sentia tal vergonha que ficava vermelho.

Alguns dias depois, em uma conversa telefônica com um psiquiatra que tinha lhe administrado medicamentos antidepressivos e para a psicose, e derivou-o para uma psicoterapia, fiquei sabendo que Peter sofreu alucinações paranoides desde o início do ano. Sentia-se perseguido, acreditava que estava sob vigilância e que existia um complô contra ele.

Peter era o irmão mais velho e tinha uma irmã sete anos mais nova que ele. Não lembrava ter padecido doenças da infância e parecia sadio, em boa forma física e forte. Não teve problemas na escola e obteve boas notas. Disse que quando criança, para impressionar sua avó paterna, esforçou-se muito, sobretudo, no Ensino Básico.

Depois da escola, começou seus estudos universitários em Direito. Compartilhou apartamento com um amigo e durante um ano namorou uma amiga estudante de sua mesma idade. Nunca teve pensamentos suicidas. Seus problemas psicológicos começaram quando foi reprovado nas provas dos seus estudos universitários e foi morar novamente com seus pais. No início da terapia, seu objetivo era passar de ano.

No meu outro encontro com Peter, contou-me sobre suas ideias delirantes: estava convencido de que fez algo pelo qual seria castigado. Sentia-se perseguido pelo rádio e pela televisão. Quando lhe perguntei que tinha feito, disse que não tinha certeza, porém achava que tinha passado alguns semáforos em vermelho andando de bicicleta, e tinha ocasionado um acidente de trânsito detrás dele. Agora suspeitava de todo mundo, inclusive de seus pais e amigos. Achava que todos o julgavam e o criticavam, e que não tinha escapatória. Sentia que era melhor que se entregasse e confessasse seu crime. Por outro lado, acreditava que se não fosse culpado era muito injusto que, inclusive, seus pensamentos mais íntimos fossem observados pelas pessoas mais próximas, especialmente pela sua família.

Em seu primeiro workshop de constelações familiares, quando lhe perguntei se existiram acontecimentos traumáticos em sua família, Peter respondeu que não sabia de nenhum, além do acidente de sua tia. Fez a constelação com representantes para seu pai, mãe, irmã e para si próprio, todos colocados muito próximos entre eles. Nenhum se sentia bem. Quando introduzi uma mulher na constelação, baseando-me em minhas hipóteses de que faltava alguém no sistema, ela imediatamente se jogou no chão chorando a gritos. Todos os outros membros da família olhavam-na com profunda pena, porém nenhum parecia capaz de fazer um movimento para ela. O representante do pai estava especialmente afetado pela estranha mulher, mas não sabia o motivo. Interrompi a constelação nesse ponto. No final do dia, Peter sofreu alucinações paranoides e sentia que eu devia lhe dar a oportunidade de falar sobre seus pensamentos e sentimentos para evitar uma crise psicótica. Depois do workshop, continuou acudindo às sessões individuais, mas a psicoterapia não o ajudava em nada.

O ponto de inflexão na terapia de Peter aconteceu depois de várias entrevistas com seus pais, cada um por separado. Seu pai e sua mãe revelaram fatos secretos e tabus na família do outro:

- O pai de Peter lembrava-se de um acidente de carro na família de sua esposa. O primeiro marido da mãe de sua esposa foi atropelado por um carro no dia 31 de dezembro de 1945 e morreu poucos dias depois no hospital.

- A mãe de Peter contou-me que sua sogra confessou no seu leito de morte que teve uma relação de amantes com o irmão de seu marido, o tio avô de Peter. Nove meses depois deu à luz ao seu primeiro bebê, uma filha. Esta era a tia que tinha morrido recentemente em um acidente de trânsito, e cuja morte deixou Peter se sentindo tão inseguro. O pai desse bebê era possivelmente o tio avô de Peter.

Depois de várias entrevistas com a mãe de Peter, minha suspeita confirmou-se; existiram fatos traumáticos e confusos nas famílias de origem de ambos os pais que poderiam ter conduzido à esquizofrenia de Peter.

Tornou-se evidente que a polícia e os tribunais não prosseguiram a investigação sobre as circunstâncias da morte do primeiro marido da avó de Peter. Um carro atropelou-o e existiram testemunhas que afirmaram ser por culpa do motorista. Além disso, era provável que o motorista fosse um cidadão muito bem considerado desse povoado, já que o primeiro marido da avó era um refugiado e forasteiro. Não podemos evitar pensar que o acidente fosse encoberto para proteger uma pessoa do lugar de classe alta.

A avó chegou nesse povoado desde Berlim, com um filho de um ano para encontrar-se com seu marido que retornava da guerra. Depois da sua morte, casou-se com um homem do lugar e ficou nesse povoado. Teve cinco filhos mais com ele, sendo o primeiro a mãe de Peter.

Outro fato que chama à atenção no sistema da família da mãe era que seu irmão menor deixou de trabalhar, de repente, com trinta e poucos anos, e pediu a aposentadoria antecipada por motivos psicológicos. Tinha o mesmo nome que o primeiro marido da avó de Peter.

No sistema familiar do pai existia certa confusão sobre os relacionamentos sexuais de sua mãe. Rapidamente tornou-se evidente que a irmã do pai de Peter, sua tia, sempre estava brigando com sua mãe e censurando-lhe alguma coisa, já que parece que suspeitava algo e pedia insistentemente a sua mãe que lhe contasse quem era seu pai. Sua mãe sempre se negou. O pai de Peter negava-se a acreditar que sua irmã pudesse ser filha de seu tio, inclusive depois que sua esposa lhe contara a confissão de sua mãe antes de morrer.

Durante este período, Peter tornou-se mais e mais obsessivo com o que ele chamava "pensamentos recorrentes". Palavras e frases que ele qualificava de "más” e "sujas” tomavam o controle de sua mente: "porco nojento"; "guerra atômica"; "sida"; "matar judeus na câmara de gás"; "puta"; "bode expiatório"; "pedófilo". Seu estado piorava de tal maneira que seu pai quis ingressá-lo em uma clínica para que estudassem seu caso mais profundamente. Consegui convencê-lo que esperasse para ver se o estado de Peter melhorava depois de lhe revelar algum dos segredos da família. Peter reclamava estar cada vez mais cansado mesmo dormindo muitas horas.

Em estas condições não havia possibilidade alguma de que tentasse passar nas provas. Paulatinamente foi deixando de fazer coisas e engordou muito. É difícil afirmar que os antidepressivos também contribuíssem ao seu aumento de peso, porém não podíamos descartá-lo. Entretanto, não tinha sentido aconselhá-lo parar com a medicação já que ele acreditava que sua doença era puramente física. Interromper a medicação provavelmente aumentaria a probabilidade que Peter ingressasse em um centro psiquiátrico.

Durante uma sessão individual, Peter constelou-se a si próprio e a seu pai utilizando almofadas. (Em minhas sessões individuais de terapia, a simples utilização de almofadas demostrou ser de muita ajuda). Peter colocou ambas as almofadas muito próximas entre si. Pai e filho estavam colocados cara a cara. Quando me coloquei no lugar do pai senti um forte impulso de girar rodando sem parar.

Em um workshop posterior de Constelações Familiares, sugeri a Peter que constelasse o sistema de seu pai e a si próprio baseando-se em seus pensamentos obsessivos. Imediatamente, os representantes do pai, avô, avó, tia e tio avô se envolveram em uma acalorada discussão, que era observada com muito interesse desde fora pelo representante de Peter. Essa disputa poderia ter continuado eternamente. Não consegui encontrar uma intervenção que levasse a uma boa solução, portanto mandei o avô, a avó, tia e tio avô fora da sala onde continuaram discutindo com força. O representante do pai não se sentiu melhor, porém seu filho, Peter, olhou-lhe e parecia um pouco mais relaxado.

Esta constelação mostrou-me que a alma do paciente estava conectada com o segredo na família do seu pai, de onde provinha sua confusão e insegurança. Os temas amorais e sexuais presentes em seus pensamentos recorrentes pareciam encaixar muito bem no triângulo formado por sua avó, seu avô e seu tio avô. Nas próximas sessões individuais, concentrei-me em conseguir uma melhor compreensão das implicações de Peter no sistema de sua mãe. Sentia-se alterado depois de falar com sua mãe sobre a morte acidental do primeiro marido de sua avó.

Também me contou que seus pensamentos fóbicos sobre que era perseguido pela lei começaram no final do ano 1998, quando acontecia o 53° aniversário do acidente de trânsito.

Junto com Peter, tentei reconstruir os detalhes do acidente e lhe sugeri que seus medos de ser procurado pela policia podiam estar relacionados com os do motorista que tinha matado o primeiro marido de sua avó. Esse homem não tinha encarado sua culpa ou responsabilidade, e deve ter vivido com o medo de ser descoberto e chamado a declarar. Em uma tentativa por resolver a implicação em sua alma, pedi a Peter que se inclinasse perante o destino traumático de sua avó e seu primeiro marido. Este ritual teve um efeito muito tranquilizador para Peter.

Durante algumas semanas posteriores, Peter foi estabilizando-se progressivamente, com o qual seus pensamentos obsessivos baixaram de intensidade e conseguiu identificar claramente seus pensamentos como alheios ao seu ego ("Sei que estes pensamentos são completamente irracionais"). No entanto, continuava insistindo em que tinha experimentado «transmissão de pensamentos», isto é, predisse o que alguém ia falar e como ia reagir.

Peter teve progressos terapêuticos significativos quando ambos os pais acordaram participar em um workshop comigo de constelações familiares. Lamentavelmente o pai não retornou no segundo dia de workshop. Entretanto, a mãe tinha recolhido alguma informação sobre seus parentes anteriores ao fato. Descobriu que sua própria mãe tinha sido estuprada por um soldado russo em Berlim no fim da guerra. Constelou sua família atual (ela mesma, seu marido, seu filho Peter e sua filha) e acrescentou outras pessoas importantes em sua família de origem. Essa constelação mostrava claramente o trauma da avó de Peter e como sua filha ainda estava envolvida neste.

Portanto, pedi à mãe de Peter que se inclinasse perante o destino de sua mãe. Posteriormente coloquei-a diante de sua mãe e de costas para ela. De cara ao seu filho lhe disse: "Protegê-lo-ei do que há detrás de mim, você está livre." O representante de Peter sentiu-se bem com isso.

Peter não esteve presente neste workshop, porém me informou no encontro seguinte que sua mãe lhe relatou a constelação com todo detalhe, mas não lhe contado o que eu considerava crucial para a solução: sua inclinação diante do destino de sua mãe, a avó de Peter. Portanto, pedi-lhe que se inclinasse diante de duas almofadas que representavam os destinos de sua avó e de sua mãe. Realizou-o com plena seriedade e dignamente.

Acudiu a sua próxima consulta claramente mudado, muito mais confiado e menos cansado. Tinha decidido não retomar suas provas e, em vez disso, começar uma formação como agente comercial em uma empresa editorial. Pouco a pouco, começou a desimplicar-se da confusão emocional na alma familiar que tanto tinha debilitado sua estabilidade emocional e sua clareza, e gradualmente foi encontrando alguma paz interior.

Depois de três anos de terapia, os pensamentos obsessivos de Peter não desapareceram completamente, e acredito que existe certo risco de que continuem enquanto seu pai esteja reticente a clarificar a confusão e as imprecisões em sua família de origem. O pai de Peter ainda se nega a acreditar na confissão que sua mãe fez justamente antes de morrer, aceitá-la o confrontaria com a possibilidade de que o acidente de sua irmã estivesse relacionado com o conflito entre ela e sua mãe. Justo antes de morrer no acidente, sua irmã teve uma discussão especialmente forte com sua mãe. A situação esquizofrênica para Peter é que ama profundamente seu pai, porém, em compensação, não pode confiar nele de verdade.

Em minha opinião, tornou-se obvio que agora está aberta uma via que permite Peter ter um insight sobre o que causou a confusão em sua alma. A injustiça e a violação na família de origem da mãe nunca poderão ser resolvidas nem expiadas. A confusão sobre a paternidade de sua tia tampouco será resolvida. No entanto, Peter tem agora a possibilidade de fazer as pazes em sua mente com os fantasmas do passado. Pode observar os fatos nos sistemas familiares de seus pais sabendo que não é responsável por eles. Não pode expiar a culpa dos outros, seja o que for que tenha acontecido realmente. Já não necessitará mais sentir vergonha pelo que outras pessoas fizeram. Hipótese sobre o desenvolvimento de sintomas psicóticos

Como consequência do meu trabalho psicoterapêutico com pacientes psicóticos e suas famílias ao longo de muitos anos, cada dia eu tenho mais certeza que minha hipótese pode ajudar a aproximar-nos de uma compreensão do misterioso fenômeno e síndrome da psicose. Isto pode ser realizado mediante uma combinação de insights a partir da investigação sobre o vínculo (Bowlby 1979), a teoria do trauma, e os insights de Hellinger sobre os sentimentos sistêmicos transgeracionais e seus efeitos sobre a consciência sistêmica.

Não acredito que a origem dos sintomas psicóticos esteja em um desarranjo cerebral, uma disfunção da percepção e do processamento da informação, ou em um transtorno do desenvolvimento do instinto sexual ou agressivo. Em minha opinião, a psicose desenvolve-se na família de origem, onde os membros da família estão intimamente relacionados e vinculados entre si através de seus sentimentos, e compartilham algo que podemos chamar «alma comum».

Há cinquenta anos, John Bowlby escreveu sobre a existência e a enorme importância do sistema de vínculos humanos, porém somente recentemente começaram a utilizar seus descobrimentos para explicar as doenças mentais. Somado a isso, agora temos os descobrimentos mais recentes de Bert Hellinger sobre os efeitos transgeracionais da consciência familiar (Hellinger, Weber, Beaumont 1998). Na atualidade temos uma maior possibilidade de compreender mais profundamente os sintomas psicológicos e as condutas tão estranhas, que são consequências lógicas do intercâmbio interpessoal de pensamentos e sentimentos dentro do sistema vinculante familiar.

As relações interpessoais deixam marcas emocionais tanto positivas como negativas na alma familiar. Fatos traumáticos que causam a desagregação da família deixam todos seus membros em um estado mental de confusão, sem alívio possível para seus sentimentos de ansiedade, culpa e vergonha. Quanto mais forem evitados os sentimentos, mais gravados ficarão.

As almas dos filhos e netos são receptivas aos traumas não resolvidos de seus pais e seus avôs, igualmente que seus pensamentos e sentimentos reprimidos. Estes são incorporados as suas próprias psiques. Os filhos e netos internalizam estes pensamentos e sentimentos que os pais não foram capazes de integrar, sentem-nos em suas almas como se fossem próprios, e com o tempo estes acabam misturados com suas próprias experiências: da mesma forma que um vírus no computador, eles invadem o programa egóico dos descendentes uma vez ativados por um fato desencadeante.

Segundo a teoria do trauma, a psicose pode ser vista como uma erupção de lembranças reprimidas relativas a fatos traumáticos ocorridos no sistema familiar. São como pesadelos que atormentam não tanto aqueles diretamente envolvidos nos fatos reais, senão aqueles descendentes de gerações posteriores cujos sistemas de defensa psicológica são mais frágeis, pelo qual as lembranças reprimidas conseguem introduzir-se em suas psiques.

A psicose, frequentemente, apresenta-se de maneira repentina e sem aviso, diante do qual não temos nenhuma explicação. Talvez encontremos algumas pistas se olharmos a psicose como um fato que acontece além da consciência, no nível da alma familiar. A psicose parece que acontece quando alguém em uma geração posterior encontra-se em uma situação paralela ao fato original. Pensamentos e emoções relativos a este fato infiltram-se então e confundem o pensamento e sentimento do ou da paciente. Os fatos desencadeantes podem ser uma morte, uma separação dos pais ou de um amante, um compromisso ou casamento, o nascimento de um bebê, ou o aniversario do fato original.

Uma sequência de três, inclusive ás vezes até quatro gerações, frequentemente acontece relacionada às doenças psicóticas (avôs, pais, filhos). Inicialmente os avôs experimentam algo que cria uma situação traumática, confusa ou esquizofrenizante na família. Os filhos suspeitam que algo não está bem, mas sabem que não lhes é permitido pensar nem falar sobre isso, os fatos traumáticos. Fazê-lo debilitaria os pais e colocaria em perigo a continuidade do sistema familiar. Falar sobre isso seria perigoso demais para todos, e no sistema familiar os sentimentos de ansiedade, pena, culpa e vergonha, ficariam descontrolados. Em consequência, acaba criando-se uma neblina espessa ao redor dos fatos traumáticos. Por sua vez, os filhos aprendem a reprimir coisas. Fazem-no inconscientemente como mecanismo de defensa para protegerem-se a si mesmo e seus pais. O qual fica em uma insegurança indizível, incompreensível, mesmo que profundamente estabelecida em todo o sistema de vínculos.

Essa insegurança penetra nas psiques dos filhos da geração dos pais. O reprimido, nebuloso e tabu chega até os netos em forma de pensamentos e sentimentos dissociados. Esta geração, contrariamente a dos pais, não sabe que ocorreram fatos no sistema familiar que não devem ser lembrados nem mencionados.

O que chamamos "alucinação" é a certeza que um filho tem que na geração que segue o fato traumático há mais no campo de percepção do que seus pais gostariam que ele acreditasse. As alucinações são também sua tentativa de desenterrar algo escondido. O que chamamos um «sistema alucinatório» é, de fato, a elaboração lógica de sua suspeita que existe algo escondido em sua família. A poderosa força destes segredos escuros modela seu destino (Bradshaw, 1995). Trasladaram-se as alucinações a um plano fatual, esse segredo pode ser reconhecido como algo humano. Quando o segredo que foi guardado na sombra durante várias gerações finalmente for revelado, o paciente psicótico poderá liberar-se de suas alucinações.

Padrões em situações familiares esquizofrenizantes

A partir da minha experiência com pacientes psicóticos consigo observar dois grupos de situações esquizofrenizantes em famílias, a partir das quais se desenvolvem as psicoses de duas, três ou quatro gerações anteriores. O primeiro grupo tem relação com as crianças que não tiveram permissão para conhecer a verdadeira identidade de seu pai; o segundo, com mortes misteriosas no sistema familiar.

Segredos sobre os pais. Há várias circunstâncias que podem criar confusão sobre o verdadeiro pai de um menino ou menina:

· Relações incestuosas entre pais e filhas, irmãos e irmãs, tios e sobrinhas, padrastos e enteadas · Relações amorosas entre uma mulher e um homem antes do matrimônio dela com outro homem. · Relações amorosas entre um homem de classe alta e uma mulher de classe inferior.

Historicamente, os pais do homem raramente aceitavam semelhante matrimônio. Às vezes, uma mulher já está grávida de seu amante, e depois se casa precipitadamente com outro homem, a quem faz acreditar, como bom marido confiado, que o filho é dele. Já que ela tem relações sexuais com seu marido, não se torna óbvio que ele não seja o pai da criatura. Ela o mantém em segredo, da mesma forma que todos aqueles que sabem a verdade. Frequentemente, o marido tem suas suspeitas (talvez o filho não pareça nada com ele), porém não tem muita vontade de admitir que o filho não seja seu, nem tampouco que tenha sido chifrado.

Às vezes, uma mulher casa-se com um homem, porém continua com um relacionamento anterior com um homem a quem realmente ama, e fica grávida dele. A longa ausência do marido pode contribuir a esta situação, por exemplo, se for um soldado que parte para a guerra. Já que ela continua mantendo relações sexuais com seu amante igualmente que com seu marido, somente ela saberá realmente quem é o pai do filho e prefere mentir em vez de arriscar seu matrimônio e sua reputação. Se soubéssemos a verdade se destruiria a coesão da família, pelo qual ela deverá tentar despistar.

Por exemplo, poderá dissimular seus casos amorosos mostrando uma exagerada devoção pelo seu marido; ou bem, dividida entre seu amor pelo pai da criatura e a pressão para não admiti-lo publicamente, poderá tentar reprimir seus sentimentos de amor para tornar-se dura e carrancuda, emocionalmente distante de seu marido e seus filhos.

Conforme as minhas observações, existe uma segunda categoria de dinâmica familiar que pode conduzir a uma doença psicótica, que seria a consequência de mortes misteriosas ou assassinatos no sistema familiar.

Existem alguns cenários específicos que podem originar confusão sobre mortes:

· Incerteza sobre se a morte de um membro da família foi um acidente, um suicídio, um assassinato, ou uma morte consentida pelas ações de membros da família.

· Incerteza sobre se os pais fizeram o suficiente, ou cumpriram com sua responsabilidade, na hora de tentar salvar a vida de um filho que estava doente ou em perigo.

Uma carga particularmente pesada cai em cima da família quando alguém que pertence ao sistema ocasionou ativamente a morte de outro membro da família, por exemplo, se um homem matar sua primeira esposa para casar-se com a segunda esposa. Um aborto de uma gravidez avançada, o sistema também o vivenciará como um assassinato.

Na Alemanha, frequentemente nos encontramos com constelações onde os netos começam a tremer assim que seus avós, que viveram durante o regime nazi, são acrescentados ao sistema constelado. Nesses casos, podemos supor que os avós estiveram envolvidos profundamente com a ditadura nazi, por exemplo, como membros da SS, e que suas ações não podem ser toleradas pela consciência familiar, nem racionalizadas como atos de autodefesa. Muito provavelmente cometeram atos que, inclusive vistos sob os valores morais distorcidos da guerra, devem ser considerados assassinatos arbitrários, cometidos contra pessoas totalmente inocente e indefensa.

Às vezes, os filhos destes assassinos protegem seus pais e existe um tabu que oculta a verdadeira função do cargo que o pai ocupava no Partido, ou no Exército. Frequentemente, a geração dos pais nega os assassinatos que foram cometidos direta ou indiretamente sob a ditadura de Hitler, isto é, os atos de juízes, fiscais, doutores ou psiquiatras. Os netos, no entanto, ainda sentem a ameaça de um avô que, em sua função de juiz ou governador local, foi responsável pela morte de muitas pessoas inocentes. Ele continua sendo temível e causa terror nas almas de seus descendentes.

Outra fonte de confusão importante em uma família no contexto nazi produz-se quando algumas pessoas traíram parentes judeus e os entregaram para que morressem em campos de concentração. Somente revelar a verdade pode ajudar quando, por exemplo, um dos netos atua como se fosse uma das vítimas do avô e desaparece na obscuridade de uma psicose, como se ele também vivesse em um campo de concentração e estivesse destinado a morrer.

Um assassinato que não foi resolvido nem castigado pela lei pode, sob determinadas circunstâncias, conduzir a que um membro posterior da família torne a experimentar os sentimentos traumáticos associados com este crime, e em um estado de psicose repita inconscientemente o assassinato ou ato criminal.

De acordo com minha experiência, os sintomas de mania e paranoia encaixam com dois padrões básicos que são:

· Quando os sintomas de psicose se manifestam como uma compulsão maníaca a atuar, falar, ou ter muitos casos amorosos, isto aponta normalmente a sentimentos reprimidos de muito amor no sistema familiar.

· Sentimentos paranoides de uma grande ansiedade, culpa e vergonha são provavelmente a expressão sintomática de uma culpa e responsabilidade negada por uma morte ou assassinato no sistema familiar.

Consequências para o trabalho psicoterapêutico

As explicações anteriores tornam óbvio que o trabalho com a psicose não pode ser focalizado exclusivamente na fisiologia ou neurologia do paciente. Os pacientes são somente os portadores do sintoma. Uma terapia com sentido deve incluir seus pais e todos aqueles que possam colocar palavras nos fatos confusos e tabus ocorridos no sistema familiar. O fato que não seja sempre possível contar com a cooperação dos pais torna-se óbvio observando o caso descrito anteriormente. Os pais e parentes podem, consciente ou inconscientemente, preferir guardar o segredo ou continuar negando-o, para desta maneira não ameaçar a frágil estabilidade interior. As explicações psiquiátricas ou médicas e seus tratamentos para a doença de seus filhos encaixam com maior comodidade com seu aspecto negador.

Sem a cooperação dos pais é muito mais difícil chegar às causas profundas da doença psicótica. Embora os pais tenham aprendido para sobreviver psicologicamente a reprimir completamente aquilo que possa estar causando a psicose em seus filhos, devemos tentar convencê-los para que participem em um processo terapêutico pelo bem de seus filhos. Merecem admiração esses pais que se enfrentam ao risco de uma constelação familiar para ajudar a que seu filho psicótico possa sair da sua implicação.

Por norma, todos os parentes colocam-se à disposição sob a influência de um segredo familiar. Frequentemente suportam uma grande carga e mostram sintomas de doenças psicossomáticas. Quando o paciente psicótico melhorar, existirá o risco que um dos parentes assuma o papel de revelar a confusão, a injustiça, a culpa ou a vergonha da alma familiar. Portanto, é importante não tratar somente o portador do sintoma, senão também observar todo o sistema familiar. Frequentemente é a alma do filho/a mais velho/a quem levará consigo as energias dissociadas dos sentimentos confusos no sistema. Se o mais velho ficasse livre desta pesada condição porque talvez ele/ela fosse do sexo oposto ao qual seria necessário para que repetisse o trauma original, então o segundo ou terceiro filho correrá o risco de se tornar psicótico e levar em sua alma a carga da confusão.

Os sintomas psicóticos são a via que nos reconduz aos fatos traumáticos e confusos em um sistema familiar. Quando a seguimos sem deixar-nos distrair por algo superficial, acabamos conseguindo o objetivo. Os sintomas psicóticos nos dão uma pista sobre os segredos de família ou tabus, ao mesmo tempo em que os encobrem para não serem vistos. Sem nenhum conhecimento prévio dos fatos confusos refletidos na psicose, não acredito que as constelações familiares por si só possam ajudar a encontrar uma resolução.

No entanto, podem atuar como um desencadeante do progresso em terapia e, portanto, oferecer uma oportunidade para que acontecimentos secretos saiam à luz. Porém, não tem muito sentido deixar que um paciente faça sua constelação quando o facilitador tem pouco conhecimento da história familiar e desconhece aquilo que pôde originar a crise psicótica.

Se em uma constelação se fizer consciente algo estranho para o qual não existe uma explicação no sistema familiar, deveremos deixá-lo ali e confiar em que aquilo que se manifestou continue trabalhando para chegar a uma boa solução na alma do paciente. Frequentemente consegui experimentar que assim ocorria. Qualquer especulação somente faz aumentar a confusão.

A visão da psicose que aqui se apresenta oferece uma explicação plausível do motivo pelo qual os transtornos mentais severos são tão difíceis de compreender na qualidade de processos psicológicos significativos. Também demonstra por que os pacientes não podem contribuir a desvelar a causa de sua doença e por que estão à mercê de sua confusão psíquica. Também resulta mais fácil compreender o motivo pelo qual os pais frequentemente se enfrentam a um enigma misterioso quando seu filho, de repente e sem mais, torna-se inquieto e começa a desenvolver sintomas psicóticos.

Com este insight sobre as causas reais dos sintomas psicóticos é mais fácil compreender a tendência das pessoas profanas, e também dos professionais, supondo que as origens da psicose estão em os próprios pacientes, ou em condições evidentes externas como a puberdade ou as drogas, e não no sistema familiar mais amplo.

Alguns médicos ou assistentes psicossociais parecem estar aliados com o tabu e contra a recuperação da memória do trauma, ou a revelação dos segredos da família. Os professionais da ajuda, frequentemente, são reticentes a mencionar detalhes familiares que possam suscitar enormes sentimentos de ansiedade, culpa e vergonha em seus clientes, assim como uma tenaz resistência.

A dinâmica familiar da psicose confronta-me como psicoterapeuta com os limites da minha competência. O sentimento de estar unido por um vínculo dentro do sistema familiar é, como mínimo, tão poderoso como os instintos e impulsos no indivíduo tal como os postula a teoria psicanalítica. Algumas vezes, um filho sacrificará sua felicidade e sua vida para que sua família continue existindo. Algumas vezes, os pais o sacrificarão em compensação por sua própria culpa. Algumas vezes, famílias inteiras optarão por se sacrificar antes que se enfrentar à verdade ou revelar seus segredos. Em tais casos, deveremos retirar-nos e aceitar o que é. Entretanto, para aqueles que desejam encontrar uma boa solução para o passado ameaçador de sua história familiar, podemos ser de ajuda para finalizar esse processo tóxico de confusão.

Franz Ruppert
www.hellinger.com

Referências e leituras relacionadas

  • Bateson, G. (1999) Steps to Ecology of Mind, Chicago,
  • U.P. Bowlby, J. (1979) The Making and Breaking of Affectionate Bonds, Routledge
  • Bradshaw, J. (1995) Family Secrets. What you don't know can hurt you. Nueva York: Bantam Books Breggin, P. (1993) Toxic Psychiatry.
  • Fontana Hellinger, B. & Weber, G. & Beaumont, H. (1998). Love's Hidden Symmetry. Londres: Zeig, Tucker & Theisen.
  • Hellinger, B. (2001). Love's Own Truth. Londres: Zeig, Tucker & Theisen.
  • Ruppert, F. (2002). Verwirrte Seelen. Der verborgene Sinn von Psychosen. Grundzüge einer systemischen Psychotraumatologie. Munich: Kösel.